Em julho deste ano a Lei Dodd-Frank completará 10 anos. Em reação aos efeitos da crise financeira de 2008 e buscando blindar a economia de novos cataclismos econômicos, governo e congresso forjaram um conjunto de regras que têm como foco controlar o risco sistêmico por meio de medidas prudenciais que permitam identificar, mensurar e, assim, mitigar a ocorrência de eventos que possam comprometer a saúde do sistema.
Em um enfoque amplo e, talvez, mais didático, a Dodd-Frank podem ser vista como dois grandes grupos de dispositivos regulatórios. À semelhança dos computadores, algo como hardware e software. Por hardware, encontramos a regra Volcker, que restringe operações de tesouraria com carteira própria e busca evitar aumentos de exposição de risco de balanço. Já no denominado software, podemos agrupar as medidas que se referem aos incentivos para que os profissionais “corram atrás” de suas metas e busquem elevar os resultados de suas instituições à patamares de distinção ou “nunca dantes alcançados”.
Neste segundo grupo, estão as regras que limitam pagamentos, para os executivos, de bônus que foram classificados pelo então presidente Barack Obama como “vergonhosos”. Neste caso, busca-se diferir o pagamento ao longo de um período mais alongado (algo como pagar metade dos bônus ao longo de quatro anos) e estabelecer mecanismos objetivos para que os valores recebidos possam ser ressarcidos à instituição nos casos em que as decisões tomadas pelos executivos venham a causar prejuízos a instituição (a última versão desta regra estabelecia sete anos como prazo para devolução das bonificações supostamente indevidas).
As regras focadas em conduta, alvo do segundo grupo acima, em sua origem buscavam atuar sobre desvios em relação à lei e às boas práticas, tais como fraudes e corrupção. Nesta seara, o exemplo mais evidente pode ser encontrado na operação lava jato, envolvendo agentes públicos e privados em conluio para melhorar os resultados destes últimos e as remunerações variáveis de seus executivos em detrimento do erário público. Os departamentos de compliance e controles internos, em muitos casos, surgiram para coibir este tipo de ilicitude e, então, foram incorporando outras preocupações relacionadas à comportamentos que extrapolem as boas práticas e possam criar riscos a sustentabilidade das empresas. Não custa lembrar que boa parte das empresas desaparece não por conta de inação das receitas mas devido a eventos que criem despesas inesperadas ou comprometam a reputação.
Neste grupo dos chamados desvios de conduta, contudo, não habitam apenas “falhas” deliberadas, aquelas em que o agente tem a intenção de cometer um crime ou burlar uma regra. O processo decisório não está imune a erros de avaliação provocados por fatores além da racionalidade.
Stanovich e West explicam nosso processo cognitivo como sendo comandado por dois polos, o Sistema 1 e o Sistema 2, S1 e S2, respectivamente. O S1 é automático, não deliberado e emocional enquanto o S2 é deliberado, consciente e racional. Segundo Kahneman, em geral, o S1 é suficiente para a tomada de decisão e evita-se invocar o S2, que sempre demandará mais esforço.
O S1 e as emoções respondem por muitos vieses de decisão que explicam a ocorrência de erros sistemáticos e não intencionais. Alguns desses vieses ajudam a entender a natureza destes erros.
Executivos em geral percorrem uma carreira de sucesso, estão acostumados a tomar decisões importantes e naturalmente a correr riscos. Entre estes, portanto, é comum identificar excesso de confiança, ou seja, creem ter uma capacidade maior que os demais de avaliar as informações e prever o futuro. Nestes casos, é comum que sua crença em um determinado resultado seja tão sólida que despreze opiniões e fatos à sua volta.
Mais um viés detectado entre executivos é a conscientização limitada, que nos impede de enxergar informações úteis para decisão, Estas muitas vezes estão “fora do radar” do decisor seja por que ele enfatiza em demasia alguma informação seja por que ele tem tanta certeza do resultado esperado que ignora inconscientemente as informações que não se enquadram no seu mapa mental. Associado a este viés encontramos a cegueira desatenta e focalismo, que de maneira um pouco distinta se caracterizam por excesso de foco em apenas parte do problema.
Além destes poderíamos citar outros tantos vieses como ilusão de controle, viés de confirmação, mas estes comungam da mesma natureza, são inconscientes, não deliberados e automáticos. Guiam nossas decisões em direção ao maior conforto cognitivo e a preservação de nossa auto-imagem.
Para estes, em que não há a intenção, não bastam controles e processos para identificar condutas “criminosas”, essas pessoas podem não estar atuando fora das regras. Elas provavelmente, não conseguem perceber que seu comportamento e suas crenças impedem que elas enxerguem algumas informações, julguem adequadamente alguns riscos e consigam atrair opiniões contrárias.
A solução para situações como esta reside compartilhar informações e decisões, dar transparência aos processos, formar comitês que congreguem diferentes perfis de comportamento, empoderar os colaboradores, e tantas outras iniciativas que ajudem a moldar uma cultura empresarial que privilegie o debate de ideais, incentive o contraditório e reduza a hierarquia dentro dos grupos.
Publicado no site Arena do Pavini em 11/03/2019
- por admin
- on agosto 22, 2019